1 de julho de 2010

Os pitacos de Tas


O careca mais simpático e 'gracinha' do país conta sua história, sua trajetória, revela um pouco de seu raciocínio e os segredos de tanto sucesso. O apresentador do programa humorístico (e jornalístico) mais bombado do Brasil ainda deixa seus pitacos sobre eleições e Copa 2010

Ele chegou com um paletó de camurça vinho, calça jeans e all star. Desse visual somente os óculos lembravam o novo 'papel' de Marcelo Tas, o âncora do programa CQC, o novo frison dos últimos tempos da televisão brasileira. O programa que mistura jornalismo, investigação e denúncia com humor. Sim! Humor, meus amigos Aliás, a fórmula é muito bem vista pelo apresentador justamente pela dificuldade que existe em se tratar assuntos sérios com um pouco de picardia. Todas as segundas-feiras na Band, eles fazem as perguntas que todos os brasileiros têm vontade de fazer aos deputados e senadores e prefeitos corruptos (ou não!), mas que, na maioria das vezes, nem jornalistas têm coragem de fazer. Marcelo Tristão Athayde de Souza já esteve segurando microfones e incomodando os poderosos do país, na pele de Ernesto Vilela pôde perguntar ao excelentíssimo Maluf. ``Muitas pessoas não gostam do senhor, dizem que o senhor é corrupto. É verdade isso, deputado?´´.

Mas ele também já fez a cabeça da criançada brasileira da década de 90 ao atuar como o saudoso professor Tibúrcio, nessa posição respondendo perguntas. Escrevendo roteiros para o Ra-tim-bum em uma parceria com Fernando Meirelles e TV Cultura - parcerias estas que duram até hoje, com alguns intervalos comerciais, nos entremeios de outros projetos em que ele se enfia.

A fase cinquentona o faz repensar seu papel no mundo. E adivinha a que conclusão ele chega? Que estamos nesse mundo para representar o 'espírito de porco'. Na entrevista abaixo, descubra por que o engenheiro civil, que nunca atuou como tal, e hoje em dia se definiria como comunicador, ou melhor, educador-comunicador, define seu papel como um espirito de porco. Num ótimo sentido, com humor e seriedade, como em toda a sua carreira.
Tas, eu estava dando uma olhada no seu passado, e vi que você é formado em engenharia civil. Queria saber como foi que você se envolveu com jornalismo e televisão.
Na verdade, o meu pulo para engenharia civil já foi algo bem maluco. Eu ia ser piloto de caça da Aeronáutica. Eu estava estudando na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR), que prepara os pilotos de caça da Força Aérea Brasileira, que vão pra Academia da Força Aérea em Pirassununga. Mas tudo isso, enfim, eu acredito que é muito parecido com a vida de vários jovens brasileiros, que não têm muito claro o que querem fazer, mas têm uma intuição [do que quer]. Quer sair de casa, está inquieto... em relação ao que vai ser quando crescer. Eu fui pra Aeronáutica, por exemplo, para sair de casa. Eu morava numa cidade muito pequena, muito longe dos grandes centros e depois eu percebi que não tinha vocação para ser militar. Gosto muito de aviação até hoje, mas estava a fim de fazer outras coisas. Aí vim pra São Paulo, e ainda sem saber direito o que fazer. Acabei optando por fazer engenharia, numa época em que você tinha praticamente três opções: engenharia, medicina e direito. Não tinha nada dessas profissões modernas e bacanas que tem hoje em dia. Aí, dentro da engenharia, quer dizer, no período em que fiquei na USP, é que eu fui descobrindo o teatro, dança, psicologia, arquitetura... comecei a frequentar essas outras faculdades, e cheguei a cursar comunicação junto com engenharia.

Na engenharia eu já havia me tornado editor de um jornal de humor, então minha vida era comunicação quase o dia inteiro. Era editor desse jornal e estudava comunicação na ECA (Escola de Comunicações e Artes) à noite.

voltar ao topo Mas e por que você optou em terminar engenharia e não comunicação?
Pura matemática. Comecei a trabalhar com televisão já no meio dessa confusão toda. Eu tinha grupo de teatro, grupo de dança, jornalzinho e teve uma hora que eu abandonei as duas e fui fazer teatro com Antunes Filho. O Antunes estava começando o CPT (Centro de Pesquisa Teatrais), que ele tem no SESC até hoje. O Antunes, na verdade, me virou a cabeça. Nessa época, eu percebi que não queria ter uma profissão normal (risos). Eu não estava muito interessado em seguir uma carreira, ir para o mercado de trabalho, fazer estágio.

Descartei completamente essa ideia e realmente foi um ano de muita coragem. Eu resolvi abandonar as duas faculdades e me dedicar ao Antunes. Foi assim durante um ano e meio, 100% de dedicação, sete dias da semana, e aí eu fui descobrindo o que queria fazer. Eu fui descobrindo a coisa de interpretar, a literatura. Eu trabalhei muito nas adaptações que o grupo fazia de obras literárias, na criação. Me interesso até hoje pela parte corporal, em como movimentar o corpo, a voz...

O Antunes na época tinha um grupo interno que chamava Desequilíbrio. Você aprender o seu desequilíbrio para caminhar, atuar...é uma conversa bem maluca. Eu fui o primeiro cara do grupo original que aprendeu essa técnica. Foi muito estranho, porque tinha atores que estavam com o Antunes há 20 anos e eu era o recruta zero do grupo, e um dia eu peguei a técnica. E eu virei professor de Desequilíbrio do grupo do Antunes.

Até que finalmente apareceram uns caras, também da USP, que tavam descobrindo as primeiras câmeras de vídeo. Não existiam câmeras de vídeo. É difícil entender isso, porque hoje temos muito acesso às câmeras [só nessa mesa, tem quatro], mas não tinha câmera de vídeo, só as televisões tinham. Um grupo de pessoas importou uma câmera dessas e eu conheci esses caras, eles tavam a fim de fazer ficção, um deles era o Fernando Meirelles, um grupo muito bom de pessoas. Eles já tinham começado a fazer algumas ficções e queriam atores. Então eles foram até o Antunes, e eu me interessei, ‘mas o que é isso?’, ‘vídeo? Mas como assim’... e comecei a frequentar de madrugada a produtora deles, porque o Antunes não deixava a gente fazer nada que não fosse ele. Comecei a fazer clandestinamente minhas incursões na madrugada, filmava, fazia uns enquadramentos estranhos, escrevia uns textos, levava umas atrizes do grupo pra lá... enfim, ficávamos experimentando. E daí me bateu, ‘pronto é isso aqui que eu quero ser quando eu crescer’. Abandonei o Antunes, foi dificílimo pra mim, e comecei a trabalhar mesmo com vídeo nessa produtora. Falei para os meu pais, ‘olha, é isso que eu quero, já descobri, acabou, quero fazer vídeo e televisão’. E eles falaram, “pô, mas você não vai terminar nenhuma delas?”, e daí eu fiz uma continha matemática – isso pra mim era muito simples – e para terminar engenharia eu precisava de dois períodos, e pra terminar comunicação eu ia levar mais uns dois, três anos. Resolvi terminar só engenharia.

voltar ao topo E daí já partiu pra área de televisão?
Sim, já comecei a trabalhar sem parar. E com o meu trabalho isso é uma coisa legal também. Eu até me lembro que o Fernando Meirelles falou – a gente é muito amigo até hoje – “nossa, mas você fez engenharia?” E ele me deu um cargo de diretor de produção porque ele imaginou que eu entendesse de contas, e eu fui um péssimo produtor... só depois eu comecei a trabalhar na frente do vídeo, a escrever, mas eu senti uma falta na minha formação acadêmica e, depois de alguns anos de trabalho, a gente fez um trabalho que teve uma repercussão boa no Brasil. E eu me inscrevi pr'uma bolsa de estudos pra poder estudar mais comunicação e ganhei uma bolsa sensacional da Fundação Fullbright, que é uma fundação americana. E passei quase dois anos estudando nos Estados Unidos, cinema e televisão e um curso que apenas tinha início por lá que era de mídias interativas.

voltar ao topo E essa parte técnica – que você veio a estudar posterior à graduação – foi fundamental para você se aprofundar na área de comunicação?
Acredito que sim. Há muito pouco tempo me caiu essa ficha, que no fundo eu fiz engenharia porque eu gosto de tecnologia e da técnica de uma maneira geral. Eu gosto de entender como as coisas funcionam. E hoje eu consigo ver isso inclusive no meu trabalho: no Professor Tibúrcio, no [quadro] 'porque sim não é resposta’, com esse papel de explicar as coisas e de ver como elas funcionam. Eu percebo que isso é um pouco meu DNA.

voltar ao topo Tas, como é ter aptidão para número e para as letras? Porque geralmente ou você é nerd fazendo contas ou escrevendo, ou uma coisa ou outra. Não é?
Olha, é tudo rabisco. É tudo muito parecido, eu diria, número e letra. No fundo, eu vou te contar um segredo, a matemática, às vezes, é uma ciência extremamente filosófica e intuitiva. É que a gente tem aquela noção que matemática é aquele negócio da tabuada, quando você começa a avançar na matemática, como eu acabei avançando, estudar Cálculo 1, 2, 3 e 4... e depois física e outras loucuras, mecânica dos fluidos, vetores, etc. Você vê que a matemática é uma ciência de imagem, você tem que imaginar superfícies, por exemplo, que é uma coisa pela a qual eu tenho muita fascinação. A parte da imagem e dos layers, das várias camadas... quando você edita um programa como o CQC, que é um programa de várias camadas, um matemático enxerga isso muito mais fácil, um cara que estuda matemática, um nerd, como você falou. Você olha para uma imagem e consegue vê-la em várias dimensões. Eu acredito que ajuda e, se você entende um pouco dessas maluquices de engenheiro, é mais fácil para ser um bom fotógrafo ou um bom roteirista. Se você sabe que um roteiro pode ter oito camadas, e não só a camada do papel e do texto que está ali. Eu não sei se esse papo é muito louco (risos).

voltar ao topo Foi um lado que ajudou você a desenvolver o lado de comunicador, é isso?
Eu acredito que sim. Comigo aconteceram coisas muito loucas, não que eu fosse muito bom de matemática. Eu me lembro claramente que cálculo que é uma matéria quase filosófica. Primeira prova de cálculo da minha vida era provar que um é maior que zero. E isso é quase uma questão filosófica e eu fui muito mal, porque eu não conseguia compreender tudo aquilo. Eu me lembro que em Cálculo 3 é onde estudamos superfícies. Isso é um puta papo de nerd (risos), mas é onde você tem que olhar uma equação e enxergar uma imagem. É muito legal, é quase lisérgica essa matéria. E eu era daqueles caras que passavam sempre raspando, tirava cinco, seis, porque a [Escola] Politécnica é danada pra você tirar nota boa e quando chegou em Calculo 3, todo mundo começou a tirar dois, um... e eu tirei nove, porque eu olhava e enxergava muitas superfícies.

A coisa da imagem pra mim é mais fácil. Quando eu comecei a desenvolver televisão e, principalmente roteiros, eu vi que isso para mim era muito natural. Desenvolver um personagem como o Professor Tibúrcio e ver as possibilidades na tela. Ou mesmo do Telekid, a gente fez aquilo em 95, não tinha computador, nem web com o desenvolvimento gráfico... e o Telekid colocava a mão, fechava e abria janelinhas, uma linguagem bastante gráfica que a gente teve que usar toda a aparelhagem da TV Cultura. Por isso gravávamos de madrugada, porque usávamos tudo, todos os efeitos. Isso era uma coisa muito nerd. Eu arrumei um parceiro, o Arcângelo, diretor de fotografia, que a gente montava uma aparelhagem que paralisava a emissora, para montar alguns efeitos que você assiste, e é muito simples. Os técnicos da emissora também se sentiam desafiados, então, foi um período muito bom e com uma equipe boa.

voltar ao topo E a parceria com o Fernando Meirelles vem de longe?
Vem de muito tempo e continua. É muito legal.

voltar ao topo E a parceria com a TV Cultura?
Com a TV Cultura também é uma parceria que dura bastante mesmo. Eu estou preparando um projeto para o mês de agosto. Eu voltei dessa minha passagem fora do Brasil, que foi em 87 e 88, cheio de ideias, desempregado e com a minha mulher grávida. Voltei numa situação bastante frágil. E voltar ao Brasil é muito estranho, naquela época, uma confusão, inflação... nossa, o Sarney presidente... eu não sei como sobrevivi. Mas aí, logo que eu cheguei, estava com a cabeça explodindo de ideias e o Fernando tinha acabado de ser convidado para dirigir o Ra-tim-bum... e aí ele me falou para descarregar essas ideias junto com eles, e eu ajudei a criar o projeto e foi muito legal. Eu entrei na TV Cultura de uma maneira muito bacana, que foi na criação do Ra-tim-bum, onde você interagia com várias áreas da emissora. E eu não fiz apenas o Professor Tibúrcio, como me metia na parte de sonorização, etc.. Era uma equipe muito criativa. Depois surgiram participações em outras emissoras, mas em seguida eu voltei para fazer um quadro no Castelo [Ra-tim-bum], logo depois surgiu o [programa] Vitrine e eu fiquei uns cinco, seis anos.

Fiz o Minuto Cientifico que foi muito premiado, fiz também um outro quadro sobre física quântica e agora, no Café Filosófico, vai ser um papo nerd inclusive sobre redes digitais, vou ancorar quatro episódios no café.

Então eu me sinto muito ligado à TV Cultura, me sinto muito honrado, de certa maneira. Porque mesmo com essa exposição profunda que tem o CQC, não tem uma semana que eu não paro em algum lugar e vem um moleque e fala, “você é aquele cara da Cultura?”, e eu falo: ‘sou, sou eu mesmo’ (risos).

voltar ao topo E agora você está com um novo programa infantil, o Plantão do Tas, no Cartoon Network... então, pra quem influenciou as crianças da década de 90, você volta a direcionar suas atenções para as crianças dos anos 2000. Como é trabalhar com o público infantil?
É dificílimo. É o público mais difícil que tem, porque não é fácil enrolá-los. Adulto é facílimo de se enrolar... isso é sério mesmo. Tem semanas que o CQC não está tão bom, mas você consegue abrir o programa dizendo que ele será sensacional e, às vezes, ele até fica sensacional.

Agora a criança não tem jeito, ela simplesmente te ignora. Se você não oferecer alguma coisa realmente de boa qualidade, algo que você tenha trabalhado, ela tem mais o que fazer, é o que eu costumo dizer. O adulto é mais bobinho, fica zapeando. O adulto é disperso, a criança, não. A criança é mais focada, se ela não tiver gostando do programa de televisão, ela tem um game, um livro, tem aquele tio engraçado. As crianças estão mais tempo no presente, elas vivem o que está acontecendo naquele momento, ela se recusa a viver o momento de baixa qualidade. O adulto, não. O adulto se der qualquer besteira pra ele, se você der uma revista vagabunda, ele fica duas horas lendo aquela porcaria.

voltar ao topo E de onde foi que surgiu esse talento para falar com crianças? Foi baseado em sua experiência de pai?
Isso me ajuda muito, muito mesmo. Tenho essa sorte. Como eu te falei, voltei dos Estados Unidos com a minha mulher grávida e o Ra-tim-bum foi minha primeira experiência e eu tinha o target já dentro de casa. A Luisa estava com dois anos já. Eu tenho três filhos, tenho uma ligação muito forte com eles e eles têm idade muito diferente: 21, oito e cinco. Essa grande diferença de idade me ajudou com que eu ficasse atento a diferentes faixas etárias. O Plantão do Tas, que é esse projeto com o Cartoon, eu acredito que teria sido muito difícil de fazê-lo se eu não tivesse tido outros filhos, porque as crianças mudam muito rápido.

voltar ao topo E você trabalha com duas crianças?
No Plantão, sim. Trabalho com duas crianças de nove e dez anos que são fantásticas, e é a primeira vez que eu faço isso, que eu contraceno com seres humanos que são crianças. E é uma experiência... a gente gravou 30 episódios, uma parte deles a gente gravou em outro país. Então a gente ficou uma semana convivendo no hotel, e foi um mergulho literalmente e foi muito legal.

voltar ao topo Você se definiria como jornalista, comunicador, humorista...
Olha, eu ando muito interessado em comunicação e começo a perceber que eu dediquei grande parte da minha vida profissional a projetos voltados para a educação. Alguns como o Telecurso 2000, que eu coordenei, somando tudo foram oito anos. Então, eu hoje quero me definir como educador. Um comunicador-educador. Eu prezo muito pela educação. Muita gente, quando eu comecei a trabalhar, não levava a televisão a sério, como uma ferramenta de educação. E eu tive a sorte de atuar em alguns projetos que eu acredito que fizeram com que a televisão fosse vista de maneira mais respeitosa, até pelos educadores, o Ra-tim-bum, o Castelo e o Telecurso.

Eu hoje vejo o CQC sendo usado em salas de aula, recebo muitos emails e converso muito com educadores sobre isso. E vejo que até um projeto tão anárquico, que usa humor, e não está voltado para a educação formal, mesmo assim, ele tem muito de educativo. Eu gosto muito disso e acho muito importante ter essa ambição, porque a gente vive num país onde a TV é, e provavelmente vai continuar sendo, a tela mais popular que existe – além da tela do game, do celular – e eu amo televisão.

Eu não sou aquele cara que começou a fazer televisão por que queria fazer cinema, quando eu encontrei a televisão... e eu não faço televisão enquanto eu não sou cineasta. Pra mim televisão é meu DNA, é meu veículo. Então eu fico muito feliz em dar alguma contribuição para que o veículo se aprimore mais na tarefa de educar os espectadores.

voltar ao topo Você considera que está no auge de sua carreira? Chegou o momento em que você consegue conciliar tudo aquilo que você já fez em toda a sua trajetória: programa infantil, jornalismo e humor, enfim, trabalhar com o público adulto e infantil.
Olha, eu espero que não (risos)! Eu não acho uma coisa assim tão especial, sinceramente. Eu quero fazer muitas outras coisas, mas, enfim, não tenho do que me queixar. O momento realmente é de alta demanda, quer dizer, eu sou âncora de um programa que tem uma visibilidade muito grande, tenho uma responsabilidade muito grande também.

voltar ao topo Puxando um pouco mais pra atualidade, queria saber se, em 2010, você se consideraria mais otimista em relação às eleições ou à Copa?
(risos) Ai, ai! Eu vou me arriscar... Eu me sinto otimista não em relação à eleição, mas à mudança de comportamento principalmente do jovem. Os jovens brasileiros são muito criticados por não se interessarem por política. Eu acho maravilhoso porque a política que está aí... ainda bem que eles não se interessam.

E com o CQC eu percebi que eles são interessados em política sim, mas não por aquele jeito de fazer política. Então, eu quero acreditar que essas eleições possam significar uma outra postura não só na hora de escolher – é importante escolher as pessoas, principalmente no Congresso, porque é onde a gente erra mais – mas também no que virá depois. Eu acredito muito nessa geração que está votando pela primeira, segunda ou terceira vez. Eu já devo ter votado sei lá, dezenas de vezes, e percebo que a minha geração trata uma eleição com certo desdém. Acho muito legal quem discute o voto, se vai votar nulo, se vai votar no candidato de direita para determinada coisa e em outro de esquerda. Pra mim, o que importa mesmo, hoje em dia, é você ter uma mudança como cidadão, não só como eleitor do PT, do PSDB ou PV. Isso pra mim não tem muita importância, mas sim da sua postura como cidadão, se você pretende mesmo cuidar do seu lixo, da energia que você gasta, do desempenho do seu deputado, do seu senador, do vereador ou do síndico do seu prédio.

voltar ao topo O indivíduo se preocupando com o coletivo?
Com o coletivo próximo, eu diria. A nossa tendência no Brasil é falar mal. Você fala mal do síndico do prédio, mas nunca vai à reunião de condomínio. Você fala mal da escola do seu filho, ou da sua escola, mas você nunca faz nada para melhorar a escola. E é legal a gente perceber uma hora que uma coisa está ligada à outra. Se eu não vou na reunião da escola ou do condomínio, aí a coisa vai degringolar mesmo e aquele chato vai tomar o poder. Se você não se preocupa com o deputado que você elegeu, se você está rindo com o Danilo Gentilli apertando esses caras patéticos no Congresso e não percebeu que você que os elegeu... esse é o erro pra mim.

Mas eu estou percebendo que isso começa a mudar, a partir do momento que as pessoas começam a pressionar mais. Prefeitos pilantras, governadores picaretas começam a ter uma certa vergonha na cara, começa.. .ficam presos por uma semana, pode ser que um dia eles realmente tenham punição no Brasil...

Eu vou ser um otimista quase suicida, eu sou mais otimista em relação à eleição que à seleção do Dunga (risos). Até porque a seleção do Dunga tem um defeito terrível: ela não tem líder. Ela tem craques em todas as posições, menos em liderança, o que é um péssimo sinal para o Brasil.

voltar ao topo No CQC vocês satirizam o cara do PT, do PSDB, sem ser tendenciosos. O Marcelo Tas tem uma preferência?
Claro.

voltar ao topo Dilma, Serra, nulo?
A minha preferência não é por pessoas, ou partidos. Eu percebo que o meu papel no mundo - outra coisa que eu ando pensando muito, você chega nos cinquenta e tenta a entender, 'afinal o que foi que eu vim fazer aqui?' -, e eu percebo que é ser o espírito de porco, no sentindo de contrariar. Não de contrariar gratuitamente, mas de criar contradições. Então, por exemplo, eu vou dizer para vocês que eu gosto do Serra. Daí o pessoal da Dilma parte pra cima de mim e eu começo a falar da Dilma, ou da Marina [da Silva].

Eu acho que o importante hoje é você ter flexibilidade para olhar para as pessoas com diferentes óculos, entendeu? Porque não existem mais dogmas. Nós podemos ficar tranquilos em relação a uma coisa hoje é que acabaram os santinhos, os dogmáticos, o cara do bem e o cara do mal. O PT não é o partido do bem e eu acho isso uma libertação maravilhosa, porque quando eu era jovem o PT era o partido do bem. Agora que não é mais, que ele enfiou a mão na lama como os outros, eu acho isso um grande avanço pra política brasileira. Não que eu tenha aplaudido o fato do PT se mostrar corrupto, mas porque temos que nos reconhecer como humanos e tentar, e diante de nossas falhas, nos aperfeiçoar. E ver que não é o partido que indica em quem você deve votar, mas sim, sua história de vida mediante à pessoa em quem você vota. Elas podem estar em partidos diferentes, ou no mesmo, e que cada vez menos a gente deixe que nos determinem em quem a gente vai votar, como acontecia antes. Eu, por exemplo, tinha tendências de ser mais moderno, e dificilmente, votaria em alguém de direita. Era quase proibido pensar nessa possibilidade. Hoje eu voto com a maior tranquilidade em um cara de direita, sem nenhuma culpa, porque tem gente boa na direita assim como na esquerda, no centro, etc. Eu acho isso uma libertação.

voltar ao topo Mas você acha que ainda podemos definir como esquerda e direita?
Não. Isso não existe mais e é justamente essa a libertação. Quando eu fazia parte de um jornalzinho anarquista, o nosso papel era justamente esse de bater na esquerda e na direita.

...é justamente isso que faz o CQC...

Eu estou te falando, o meu DNA é incorrigível. Eu já nasci torto mesmo, não tem salvação. Nesse jornal, nós fomos censurados pelas mesmas razões que eu sou censurado no CQC, ou tentativa de censura. Na época, inclusive, a esquerda tentou me censurar quando a gente resolveu falar de sexo - veja você que coisa incrível - com uma militante do partido de esquerda daquela época que chamava Libelu - uma ala muito radical da esquerda que existia no movimento estudantil - e tinha uma menina deliciosa, que evidentemente todo mundo queria comer, mas não podia falar nisso, pois ela era um símbolo da resistência. E nós fomos lá e falamos com ela só sobre delícias, delícias do sexo, dos beijos, dos porres que a gente tomava na USP. E o presidente do grêmio queria arrancar a entrevista do jornal, e nós denuciamos a censura. A esquerda naquela época, e aliás, até hoje na USP é quem tinha o dinheiro e bancava o nosso jornal. Eles pagavam o jornal e nós falávamos mal deles (risos).

Desde aquela época eu considero isso importante, não ficar fixo com só um tipo de olhar. Por isso que eu acho ridículo, por exemplo, quem só fala mal do Lula, ou quem só fala bem e acha que tudo o que ele faz é genial.

voltar ao topo E você vota em alguém? Nunca anulou o voto?
Nunca anulei voto. E nesse ponto eu tenho muito de engenheiro, pois nas últimas eleições eu procurei votar em todos os partidos. Na última eleição eu percebi que nunca tinha votado no Democratas, achei um candidato do partido e votei nele só para ver como era votar no DEM e não me sentir um idiota. E não me senti, porque achei um candidato bacana. Eu não tenho problemas em falar isso, já votei no PT, PSDB, PV. Cumpri um ciclo e me sinto livre para votar em quem quiser e não ser cobrado por ninguém.

O [projeto] Ficha Limpa teve uma movimentação grande através da internet. Você acredita que isso pode virar algo costumeiro no Brasil? Acho importante que esses movimentos da internet tenham consistência, uma razão de existir. O Ficha Limpa foi um movimento que andou porque a razão dele é muito forte, tem uma ideia muito boa. Eu concordo com isso. A internet ajudou o Ficha Limpa a se espalhar, todo mundo falava sobre isso, inclusive o Lula teve de se pronunciar sobre o Ficha Limpa, presidente da Câmara, do Congresso, os veículos todos. Eu acho isso maravilhoso: uma coisa pequena que vai ganhando consistência porque vale a pena.

Mas devemos tomar cuidado, porque pela internet qualquer coisa tem que virar bandeira de todo mundo. Eu recebo dezenas, centenas de emails com bandeiras de outras pessoas, dizendo, “pô, você tem um twitter, bota aí, é de graça”. Mas não é assim que funciona, pois pra você levantar uma bandeira você precisa ter uma identificação com aquela causa e saber o porquê de você apoiar, pois senão é muito fácil ser bonzinho. Você pega um monte de causas e fica lá clicando o dia inteiro.

É legal falar uma coisa: as pessoas se enganam - e eu vou falar uma coisa muito óbvia - que a internet é uma rede mundial de computadores, sendo que na verdade é uma rede mundial de pessoas. Se as pessoas não tiverem uma causa consistente, que tenha uma razão de existir, não adianta ficar lá clicando o dia inteiro que a coisa não vai andar.

voltar ao topo Pergunta do Leitor: “Você tem vontade de ir pra rua e ficar cara a cara com o entrevistado? Como você fazia no papel de Ernesto Varela.
No momento, não. O trabalho que eu faço é novo para mim, não é fácil. É o trabalho de contextualizar aquela maluquice e, mesmo que não pareça, é uma função que me exige muito; de ter que entender do que estou falando, porque o CQC só tem graça porque ele lida com fatos que estão acontecendo se a gente começar a ser leviano, mesmo brincando com a parte jornalística, o programa perde a graça. E isso é que nos diferencia de outros programas de humor, porque nós fazemos jornalismo e humor com a mesma seriedade. Nós temos humoristas e jornalistas profissionais e não estou comparando o CQC com outro programa. Existe um trabalho sério de investigação jornalística para a apresentação do programa, na hora da reunião de pautas para poder discutir com os meninos e a menina e isso me dá muito prazer e trabalho.

voltar ao topo Às vezes eu vejo o Gentilli fazendo umas perguntas e penso, 'meu deus!'. Precisa ter coragem para fazer perguntas que põem os entrevistados contra a parede? Como a famosa pergunta que você fez para o Maluf...
Precisa ter coragem e pontaria, porque se você errar a pontaria a chance de você ser leviano ou ser simplesmente agressivo, mas se você é agressivo e bem humorado, como o Danilo é na maioria das vezes, é preciso ter coragem sim. Porque você vai falar uma coisa que tá todo mundo louco para falar. Tem muito jornalista que acha que não pode, essa combinação de tratar um assuntos sérios na corda bamba do humor. Essa combinação me agrada muito e é muito difícil de ser feita, talvez, por isso agrade tanta gente.

voltar ao topo Voltando a falar de futebol, qual a importância de uma copa ser feita na África?
Tem várias coisas: primeiro que a África é um continente totalmente ignorado por nós. E eu me incluo nesse 'nós'. É o berço da civilização, onde tudo foi descoberto, as linguagens, o que aconteceu no Egito, ali existiu o primeiro google do mundo: a biblioteca de Alexandria, grandes filósofos e grandes culturas e continua sendo um continente desconhecido e extremamente injusto, o continente mais violento, de lutas étnicas. Luta entre brancos e negros, entre negros. Ditadores negros que esfolam pessoas vivas. Centenas de línguas, música, enfim, é uma caixinha que a gente ainda não conhece. Então, é muito legal que a Copa aconteça lá e estou estou torcendo muito para que as coisas andem bem e que a gente posso tirar boas lições daí.

voltar ao topo E você acredita que o Brasil tem colhões para bancar um evento desses ou deveria dar prioridade a outros problemas?
Eu acho muito bom o Brasil ter se candidatado e ter ganhado o direito de sediar a Copa. Só que até agora o Brasil não demonstrou ter aproveitado dessa oportunidade. Até agora fomos relapsos com a Copa de 2014, isso é preocupante, porque a gente vive num país em que se valoriza o discurso. O presidente Lula tem um índice de aprovação que supera os 80%, porque é um cara que faz discurso muito bem e não fez nada em relação à Copa. Rigorosamente nada.

E a situação é patética: a gente não tem estádio para sediar campeonato mundial e também não temos infraestrutura. As cidades brasileiras estão congestionadas. Eu tenho viajado muito para fazer palestras e estou descobrindo um dado terrível, que São Paulo tem um dos melhores trânsitos do Brasil. É verdade!

O trânsito de Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza são piores que o de São Paulo. Nem em São Paulo, a cidade mais rica da América do Sul, nós não temos estádio decente

Um comentário:

  1. éssa matéria é de propriedade da Revista Up! não pode ser copiada sem prévia autorização. por favor retire do ar e entre em contato com fabiano@revistaup.com para programarmos um post autorizado.

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